quinta-feira, 12 de julho de 2012

São Lembranças - Ínicio - IV


"O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente."
Mário Quintana


Sabia que devia fazer isso, mas mesmo assim não tinha coragem. Já tinha feito muitas coisas erradas, não queria continuar vivendo no erro, queria poder acabar com tudo isso. Queria muito escapar dessa culpa que sinto.

-Francisco?!
-Oi Guilherme.
-Preciso falar com você!
-Já está fazendo isso.
-Pode me encontrar?
-Na verdade não.
-Preciso de verdade conversar.
-Porque eu deveria?
-Fran...
-Depois de tudo que aconteceu, você realmente acha que existe alguma chance das coisas voltarem ao normal?
-Você nem me deixa falar.
-Porque eu deixaria? Quando precisei você simplesmente não me deixou falar. Você não me deu nenhuma oportunidade de tentar me explicar. E agora você me liga e pede para eu te escutar?
-Fran, me desculpe, por favor.
-Tô cansado Guilherme.
-Francisco, ao contrário de você eu sou um verdadeiro idiota. A Silvana me enganou. Ela conseguiu me manipular como se eu fosse um idiota, você consegue imaginar como é difícil pra eu admitir isso?
-A silvana está morta e mesmo assim ela não consegue me dar sossego. Essa menina sempre foi a pior coisa que aconteceu na minha vida.
-Eu sei disso e lamento muito por tudo que aconteceu. É por isso que estou tentando ajeitar as coisas.
-Se é tão importante pra você, te desculpo. Mas isso vai mudar o que?
-Não sei, Só queria tentar mudar as coisas. Corrigir o que fiz de errado.
-Acho que está no caminho certo. Só não acredito que as coisas voltarão ao normal.
-As coisas nunca mais serão as mesmas, só quero que pelo menos as coisas sejam melhores daqui pra frente...
-Obrigado por tentar.
-Obrigado por me deixar tentar.


Eu sempre achei o jeito do Francisco ver o mundo muito peculiar. Ele era muito critico e exigente com todos, mas principalmente era muito exigente com ele mesmo. Ele acreditava que poderia fazer do mundo um lugar melhor, e o que me sinto pior é que eu ajudei ele a perder toda essa vontade. Se naquele dia eu simplesmente tivesse feito tudo diferente, poderia tudo ter tomado outro rumo. As vezes eu acho que Francisco teria coragem de fazer algo com a Silvana. Mas nunca imaginei que ele teria coragem de matar ela, Não que eu ache que ele tenha feito isso. Mas alguém fez, agora só falta descobrir quem teria coragem de fazer isso. São tantas pessoas que teriam motivos para fazer isso, mas agora quem realmente teria coragem de fazer isso com ela?
Pensando bem, até eu teria motivos para fazer isso, Silvana conseguiu destruir a minha vida. Conseguiu destruir a vida de todo mundo que eu conhecia. E sinceramente não estou nem um pouco triste com o que aconteceu com ela.

sábado, 7 de julho de 2012

São Lembranças - Ínicio - III





"Lutar contra a injustiça custa-me mais do que sofrê-la"
Jeanne Roland

Era estranho como ela sempre estava por perto, eu parava por um segundo e já me pegava pensando nela. Ela passou por nossas vidas, destruiu tudo e depois simplesmente desapareceu. Mas tudo que ela fez não desapareceu. Porque tudo simplesmente não foi enterrado junto com ela? Porque tudo que ela fez simplesmente não desaparece?



Estava eu e Israel conversando com um copo de coca com vodca cada um, era incrível como adorávamos vodca. A festa estava barulhenta, mas conversar com Israel era sempre animador. Ele era muito engraçado e "fashion", para ele aparência importava sim, e muito. Mas ele não era uma pessoa ruim por isso, pelo contrário, ele era uma pessoa muito boa, estava sempre de bom humor e gostava muito de ajudar os outros. E é claro, sempre estava pronto pra torrar o cartão de crédito dos pais. A conversa estava boa, mas já estava ficando meio bêbado, Decidi ir ao banheiro e foi a partir disso que minha vida toda mudou.

Logo que sai do banheiro encontrei Silvana com alguém que claramente não era Renato, Renato era moreno e esse cara era loiro. Guilherme havia me prometido que nunca mais iria ficar com Silvana, pelo visto não podia confiar nele. Descobri nesse dia que não deveria confiar em ninguém. Logo que vi Guilherme com Silvana, simplesmente não soube o que fazer. Provavelmente tomei a atitude errada, mas era a única coisa que consegui fazer naquele momento. Logo que vi que Guilherme tinha saído de perto de Silvana, fui até perto dela.

Estava meio irritado, não sabia o que fazer. Peguei o braço de silvana com força, "puxei" ela até um canto isolado e comecei a gritar:

-O que você pensa que está fazendo?
-Me solta, você não tem nada com a minha vida.
-Você falou que não iria mais fazer isso.
-Você é um babaca, eu faço o que eu quiser e quando eu quiser.
-Porque você faz isso?
-Você vai ver.
  AHHHHHHHHHHHHHH, me larga, me solta tira a mão de mim.


Ela gritava como uma louca, gritava muito. Eu obviamente soltei o braço dela. Só vejo o Renato chegando. Ele já chegou alterado.

-O que está acontecendo aqui?
-Esse seu amigo idiota, Renato, ele tá tentando me agarrar, ele tá alterado.
-É mentira, Renato, você sabe que eu nunca faria isso...

Como fui idiota, Renato obviamente não ficou do meu lado, nem pude terminar de me defender e levei um soco no rosto. Somente me recordo de acordar na casa de Israel. Obviamente ele foi o único a ficar do meu lado. E todo mundo que fica do meu lado desaparece fácil. Obviamente não demorou muito para eu perder o único amigo que me restava.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

São Lembranças - Ínicio - II



“Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria.”
Martha Medeiros


Desde que Silvana havia morrido, era como se todas as memórias voltassem. Era muito difícil dormir imaginando quem poderia ter feito aquilo. Ou pior,quem poderia ser o próximo? Na verdade qualquer um poderia ter feito aquilo. Praticamente todo mundo tinha motivos para fazer aquilo. Silvana sempre viveu ao extremo em tudo, talvez esse seja o preço a se pagar por não ter medo de viver.

Ali estava Vinícios, até onde se sabia ele era o último a se envolver com Silvana. Todos enxergavam ele como um verdadeiro palhaço, mas ele, ele se sentia um máximo. Na sua cabeça ele possuía Silvana. Pessoas como Vinícios, eram tão desprezíveis que era até divertido fazer piadas com a cara dele enquanto ele se achava um máximo.

E eu? não sei aonde devo me sentar, Desde que Silvana conseguiu acabar com minha vida consigo estar ainda mais excluído e sozinho. Não sei se devo ficar apenas no canto e observar com asco pessoas homenageando ela. Dizendo o quanto ela era maravilhosa, ela não era maravilhosa e eu sabia disso. Na verdade todos sabiam disso e mesmo assim fingiam muito bem estarem tristes e emocionadas com o ocorrido.

Ainda em pé só conseguia observar o "datashow" com uma enorme foto dela sorrindo, isso eu não podia negar. Ela era linda. Olhos bem marcados e expressivos e um sorriso misterioso. Se ela pudesse ver aquilo, com certeza ficaria orgulhosa de como ela era o centro das atenções. Sim ela tinha conseguido fazer o mundo girar em torno dela, mais uma vez.

Me sentia muito estranho por não conseguir chorar ou ficar triste com o que aconteceu, Eu só consegui ficar indiferente com aquilo tudo. Eu ainda estava em pé, era estranho, não sentia que pertencia a aquilo tudo. Eu tentava colocar na minha cabeça que eu só precisava sobreviver naquele lugar por mais um ano e tudo acabaria. E que tudo que tinha acontecido acabaria e eu iria poder começar do zero.

E eu senti uma mão nos meus ombros, e virei para ver quem era, Guilherme estava lá chorando. Não chorando de um modo desesperado, apenas chorando. E me abraçou, não sabia o que fazer e simplesmente retribui o abraço. Era estranho isso, fazia muito tempo que nem conversávamos, claro que eu ter ligado pra ele para contar sobre a morte da Silvana não contava. Ter conversado com ele foi ainda mais estranho do que quando falei com Renato. Ele simplesmente ficou ali abraçado comigo e eu sem saber se deveria dizer algo, mesmo se tivesse não fazia a menor ideia do que dizer.

-Me desculpe.
-Não quero desculpar, não quero nem lembrar disso tudo.
-Fran, eu fui muito injusto com você.
-Eu sei, mas não existe o que perdoar. Você fez sua decisão, na verdade todos nós fizemos. E eu fui o que mais perdi com tudo isso.
-Eu sei.
-Então, eu fui julgado, praticamente crucificado pelo que aconteceu e mesmo assim tentei me desculpar. E o que aconteceu? Vocês todos simplesmente viraram as costas para mim.
-Fran...
-Você sempre faz isso, na verdade todos sempre fazem isso comigo. E eu estou simplesmente cansado. Agora você chega aqui, chora, me abraça, pede desculpas e tudo volta ao normal? Porque que quando eu fiz isso não recebi o perdão de ninguém?
-Porque você é muito melhor do que eu.
-Eu sei disso. Na verdade demorou muito tempo para eu perceber isso. Você sabe a quanto tempo eu entro e saio dessa faculdade sem receber nem um boa noite de alguma pessoa? Só converso com os porteiros e professores e mesmo assim, até eles me olham estranho.
-Francisco, me desculpe, de verdade. Demorou muito para eu perceber o que eu fiz. Tomei atitudes precipitadas e impensadas.
-Tchau.
-É assim mesmo que você quer que as coisas terminem?
-Não sei. A Silvana está morta e mesmo assim continua fazendo da minha vida um inferno. Eu só queria que tudo isso fosse enterrado junto com ela.
-Podemos fazer isso.
-O que aconteceu vai continuar vivo. E nada vai mudar isso.
-Eu quero te ajudar.
-Estou cansado de sempre ser o que precisa de ajuda.
-Não foi isso que eu quis dizer. Só acho que as coisas podem melhorar, podemos todos esquecer o que aconteceu e tudo voltar a ser como era antes.
-Guilherme,você precisa entender que nada vai voltar ao normal.
-Você sempre foi um dos meus melhores amigos e eu deixei tudo isso se perder.
-Porque quando eu tentei te dizer a verdade você simplesmente não acreditou.Você tinha praticamente a obrigação de no minimo acreditar em mim.
-Mas você sabe que era difícil para mim,eu estava cego. Demorou para eu entender que a Silvana não era a pessoa que eu imaginava que ela era.

Não sei que rumo aquela conversa tomaria, fomos interrompidos pelo início das homenagens. Mesmo depois de morta Silvana conseguia fazer as pessoas se desentenderem. Ela sempre foi assim e parece que mesmo depois de morta isso não vai acabar.

domingo, 1 de julho de 2012

São Lembranças - Ínicio


"Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez."
William Shakespeare


-Renato?!
-Oi, quem tá falando?
-É o Francisco...
-Faz um pouco de tempo que não nos falamos.

Era estranho estarem novamente conversando, depois de tudo que aconteceu. Fazia tempo que não se falavam, se gostavam, isso era inegável. Era amizade real. Mas depois de tudo que aconteceu era bem estranho um ter que ligar para o outro. Se viam praticamente todos os dias. Mas, até um oi era difícil de acontecer.

-Eu sei, só estou te ligando porque a policia esteve aqui em casa a algum tempo.
-E o que eu posso fazer em relação a isso?
-A Silvana foi assassinada.
-O que? Que que você tá falando?
-A Silvana está morta, foi encontrada morta hoje.

Silvana, tinha feito tantas pessoas sofrerem. Ela sempre estava disposta a pagar o preço necessário para obter o que queria. O que na maioria das vezes fazia ela realmente conseguir tudo o que queria, Ela simplesmente era assim. Não media as consequências, apenas fazia o que tinha que ser feito.

-Não tô acreditando nisso, se for mais uma das suas brincadeiras sem graça, essa não tem a menor graça.
-Faz quanto tempo que não te ligo? acha mesmo que te ligaria para fazer uma brincadeira idiota dessas?
-Não sei do que você é capaz de fazer, na verdade não sei do que você é capaz de esconder.
-Não liguei para ser atacado, principalmente sobre uma coisa que já tentei me desculpar diversas vezes. Apenas liguei para informar que a policia provavelmente também irá atrás de você. Na verdade, ela deve ir atras de praticamente todo mundo que convivia com ela.
- Mas por que eles estariam atrás de todo mundo?
- O corpo dela foi encontrado próximo a nossa faculdade. Fazia duas semanas que ninguém tinha nenhuma noticia sobre ela.

Renato, foi o que talvez tenha sofrido mais na mão de Silvana, ele foi muito apaixonado por ela, e ela soube muito bem se aproveitar disso. Ela sabia como ninguém manipular as pessoas. E Renato, Renato foi talvez um dos seus mais fáceis "bonequinhos".

-Eu... Eu... Não sei o que falar.
-Você não tem nada para falar pra mim, mas se puder avisar o Guilherme.
-Mas,Mas... faz tanto tempo que não falo com ele.
-Fazia meses que eu não falava com você, mesmo te vendo todos os dias e mesmo assim fiz o que tinha que fazer. Mas se você não tem coragem de ligar eu mesmo ligo.
-Não é isso. É que...
-Eu já entendi. vou ligar pra ele.
-tch...
-tum tum tum.

Guilherme foi outro que também foi apenas um jogo na mão de Silvana. Na verdade, Silvana não via as pessoas como pessoas, Ela enxergava todo mundo como peças. Peças que hora eram usadas, hora movidas, talvez deixadas por lá, esquecidas. Mas nunca as peças eram descartadas, Talvez sacrificadas, mas descartadas nunca. Tudo não passava de apenas um jogo.