segunda-feira, 2 de julho de 2012

São Lembranças - Ínicio - II



“Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria.”
Martha Medeiros


Desde que Silvana havia morrido, era como se todas as memórias voltassem. Era muito difícil dormir imaginando quem poderia ter feito aquilo. Ou pior,quem poderia ser o próximo? Na verdade qualquer um poderia ter feito aquilo. Praticamente todo mundo tinha motivos para fazer aquilo. Silvana sempre viveu ao extremo em tudo, talvez esse seja o preço a se pagar por não ter medo de viver.

Ali estava Vinícios, até onde se sabia ele era o último a se envolver com Silvana. Todos enxergavam ele como um verdadeiro palhaço, mas ele, ele se sentia um máximo. Na sua cabeça ele possuía Silvana. Pessoas como Vinícios, eram tão desprezíveis que era até divertido fazer piadas com a cara dele enquanto ele se achava um máximo.

E eu? não sei aonde devo me sentar, Desde que Silvana conseguiu acabar com minha vida consigo estar ainda mais excluído e sozinho. Não sei se devo ficar apenas no canto e observar com asco pessoas homenageando ela. Dizendo o quanto ela era maravilhosa, ela não era maravilhosa e eu sabia disso. Na verdade todos sabiam disso e mesmo assim fingiam muito bem estarem tristes e emocionadas com o ocorrido.

Ainda em pé só conseguia observar o "datashow" com uma enorme foto dela sorrindo, isso eu não podia negar. Ela era linda. Olhos bem marcados e expressivos e um sorriso misterioso. Se ela pudesse ver aquilo, com certeza ficaria orgulhosa de como ela era o centro das atenções. Sim ela tinha conseguido fazer o mundo girar em torno dela, mais uma vez.

Me sentia muito estranho por não conseguir chorar ou ficar triste com o que aconteceu, Eu só consegui ficar indiferente com aquilo tudo. Eu ainda estava em pé, era estranho, não sentia que pertencia a aquilo tudo. Eu tentava colocar na minha cabeça que eu só precisava sobreviver naquele lugar por mais um ano e tudo acabaria. E que tudo que tinha acontecido acabaria e eu iria poder começar do zero.

E eu senti uma mão nos meus ombros, e virei para ver quem era, Guilherme estava lá chorando. Não chorando de um modo desesperado, apenas chorando. E me abraçou, não sabia o que fazer e simplesmente retribui o abraço. Era estranho isso, fazia muito tempo que nem conversávamos, claro que eu ter ligado pra ele para contar sobre a morte da Silvana não contava. Ter conversado com ele foi ainda mais estranho do que quando falei com Renato. Ele simplesmente ficou ali abraçado comigo e eu sem saber se deveria dizer algo, mesmo se tivesse não fazia a menor ideia do que dizer.

-Me desculpe.
-Não quero desculpar, não quero nem lembrar disso tudo.
-Fran, eu fui muito injusto com você.
-Eu sei, mas não existe o que perdoar. Você fez sua decisão, na verdade todos nós fizemos. E eu fui o que mais perdi com tudo isso.
-Eu sei.
-Então, eu fui julgado, praticamente crucificado pelo que aconteceu e mesmo assim tentei me desculpar. E o que aconteceu? Vocês todos simplesmente viraram as costas para mim.
-Fran...
-Você sempre faz isso, na verdade todos sempre fazem isso comigo. E eu estou simplesmente cansado. Agora você chega aqui, chora, me abraça, pede desculpas e tudo volta ao normal? Porque que quando eu fiz isso não recebi o perdão de ninguém?
-Porque você é muito melhor do que eu.
-Eu sei disso. Na verdade demorou muito tempo para eu perceber isso. Você sabe a quanto tempo eu entro e saio dessa faculdade sem receber nem um boa noite de alguma pessoa? Só converso com os porteiros e professores e mesmo assim, até eles me olham estranho.
-Francisco, me desculpe, de verdade. Demorou muito para eu perceber o que eu fiz. Tomei atitudes precipitadas e impensadas.
-Tchau.
-É assim mesmo que você quer que as coisas terminem?
-Não sei. A Silvana está morta e mesmo assim continua fazendo da minha vida um inferno. Eu só queria que tudo isso fosse enterrado junto com ela.
-Podemos fazer isso.
-O que aconteceu vai continuar vivo. E nada vai mudar isso.
-Eu quero te ajudar.
-Estou cansado de sempre ser o que precisa de ajuda.
-Não foi isso que eu quis dizer. Só acho que as coisas podem melhorar, podemos todos esquecer o que aconteceu e tudo voltar a ser como era antes.
-Guilherme,você precisa entender que nada vai voltar ao normal.
-Você sempre foi um dos meus melhores amigos e eu deixei tudo isso se perder.
-Porque quando eu tentei te dizer a verdade você simplesmente não acreditou.Você tinha praticamente a obrigação de no minimo acreditar em mim.
-Mas você sabe que era difícil para mim,eu estava cego. Demorou para eu entender que a Silvana não era a pessoa que eu imaginava que ela era.

Não sei que rumo aquela conversa tomaria, fomos interrompidos pelo início das homenagens. Mesmo depois de morta Silvana conseguia fazer as pessoas se desentenderem. Ela sempre foi assim e parece que mesmo depois de morta isso não vai acabar.

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